sábado, 29 de agosto de 2009

Marina

A conveniência da frase de Benjamin no ensaio que inspirou este blog foi sentida na noite de ontem. Com dor de cabeça, eu tinha até desistido de ir à mesa redonda que debateria o tema "Salvar o planeta", na programação da I Bienal do Livro de Curitiba. Os debatedores eram Marina Silva e Leonardo Boff. Ainda bem que eu fui.
A Gazeta do Povo optou por ignorar o evento daquela noite (ao contrário das outras atrações...). Isso é estranho para um acontecimente cuja noticiabilidade é óbvia. Marina está na ordem do dia; é presidenciável, sua desfiliação partidária representou um golpe importante na história do PT, partido que ajudou a fundar. O desencanto dela não lhe tirou a confiança de que algo ainda pode ser diferente neste mundo. A persistência advém, como ela mesma fez questão de frisar, do seu velho professor de utopia, o companheiro no debate. Boff identifica no ambientalismo - ou ecologia, como prefere - a esperança de salvação para a vida na terra. Segundo ele, não se trata mais de apenas um desejo, mas de uma necessidade, porque nós não temos escolhas: ou assumimos a responsabilidade de cuidar do planeta ou a humanidade está com os dias contados (segundo os dados sempre assustadores, se nada for feito para frear a devastação ambiental e as mudanças climáticas daí advindas, a partir de 2025 vamos sentir na pele - literalmente - os efeitos da elevação da temperatura global).
E Marina estava lá, sempre serena, mas firme nas convicções, sem contudo se tornar dogmática. Sempre doce, contudo direta, clara. Apresentou cinco conceitos de sustentabilidade: ambiental, cultural, política, estética e ética. Assim como Boff, parecia repetir as preocupações de Benjamin - cortar o pavio que queima antes da explosão. Algo precisa ser feito. E a despeito da dificuldade da mudança de mentalidade requerida, ainda é possível acreditar e, portanto, fazer. Porque para mudar a percepção sobre meio ambiente e vida na terra hábitos muito arraigados precisam ser abandonados. A questão que mais me toca é a do consumo consciente e o desafio é assustador: como convencer as pessoas de que é necessário consumir menos e melhor? A questão ambiental exige uma disposição para articular diferentes aspectos da vida. Ao consumir um produto orgânico, por exemplo, o cidadão não está apenas cuidando da saúde do seu corpo, mas está alimentando um sistema de produção agrícola saudável, mantendo famílias no campo, combatendo o latifúndio... Trata-se de um novo estar no mundo. A consciência da sustentabilidade supõe uma solidariedade que extrapola as afeições familiares; ela requer uma doação, uma preocupação com gerações de pessoas que ainda não nasceram.
Daí que, como estudiosa da comunicação, por alguns instantes tentei imaginar o papel da mídia nessa transformação. Quando eles falaram da educação e eu tive que associar as duas coisas. E isso dá outros posts.
Ao final, como era esperado, Marina foi muito aplaudida pela platéia visivelmente encantada. E não faltou aquele grito "Marina presidente!". Eu estava esperando por isso, mas achei que seria um côro em uníssono. Tinha esquecido que estava em Curitiba, a terra em que as pessoas têm pavor do ridículo, como bem descreveu Leminski. Restou aquele único braço levantado e os olhares desconfiados. Eu bem que queria ter gritado também... Naquela muvuca, Marina passa por mim e, num momento em que não tive vergonha de ser piegas, patética ou de pagar mico, disse: "Marina, que prazer ouvi-la". Ela, que estava com pressa, parou e me cumprimentou com dois beijinhos.
E a mulher ainda faz poesia.