segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Crônica 2

A propósito de uma crônica: no sábado (26/09), o escritor e ex-colega de UEPG Miguel Sanches Neto publicou "Amar uma cidade". Ele fala da sua relação com Ponta Grossa, lugar onde morei um tempão e hoje não entendo como consegui. O relato dele deixa transparecer todas as vicissitudes do amor: encantamento, gratidão, desencantamento, agressão, negação, aceitação, etc. Lembrei que há algum tempo escrevi uma crônica - olha só - sobre o mesmo assunto. Outras coincidências: ele nasceu numa cidade minúscula do interior do Paraná, como eu; ele viveu em Campo Mourão, como eu; fez pós-graduação em Floripa, como eu; sente-se sem raiz, sem um lugar para chamar de seu. Não tive dúvidas e escrevi para ele. A resposta trouxe mais identificação (essa coisa que nos falta a um lugar). Somos paranaenses e não sabemos o que isso significa. Também questionamos se isso precisa significar alguma coisa. Somos diferentes dos gaúchos, que no seu êxodo carregam o Rio Grande do Sul consigo para onde forem. Nós paranaenses, não. Nós vamos deixando nossa herança em algum lugar perdido da memória, acionando uma e outra informação quando solicitada. Então aquilo que poderia nos desabonar - a tal da falta de identidade - poderia nos redimir: somos o que os lugares e as pessoas que nos perpassam nos dão. Poderíamos chamar isso de cosmopolitismo doméstico. Ou não chamar de nada mesmo.

Crônica

Se eu tivesse talento, seria escritora. Eu escrevo artigos, resenhas (faz tempo que não faço uma), lá se foi uma tese. Mas esse gênero acadêmico tem suas manhas; existem textos bons e ruins, mas a metodologia permite que todos sejam compreendidos e atendam os objetivos a que se propõem. Já a literatura exige um bocado a mais de sensibilidade. Eu até acho que tenho sensibilidade: gosto de observar as pessoas nas suas ações mais comezinhas e já parto para o comentário daquilo que de tão óbvio as pessoas não percebem. Mas não tenho habilidade artística para transformar minhas observações em texto literário. Se eu me esforçasse, poderia apostar na crônica. Uma vez eu tentei, mas os textos eram tão ridículos que desisti. Eles estão em algum arquivo perdido do computador. Outro dia reli umas poesias que fiz nos anos noventa e achei uma cópia descarada do estilo Leminski. Deixa lá, quem sabe um dia aquilo revela outras coisas. Mas essa vontade de expressão literária é algo crônico; sempre acho que se eu me empenhasse talvez eu conseguiria. Até os (3) textos deste blog parecem-me muito ruins. Eu costumava ser uma boa repórter; recheava aqueles textos burocráticos, conhecidos como notícias, de lampejos de outras leituras. Outra crônica em mim é a eterna auto-cobrança (já não sei se está certo escrever assim; oh, God, até 2012 tenho que saber) de ler mais livros de literatura. Como não dou conta nem dos meus amados livros acadêmicos, acabo não lendo quase nada. Mas assim como a ioga tornou-se uma necessidade física e mental, a literatura também se torna uma vacina contra a mediocridade. Não importa mais. Agora eu vou me dar de presente horas de leitura prazerosa (não que meus fiéis companheiros de trabalho não me dêem prazer), para pensar na vida e na sua beleza. Sem compromisso.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Se essa rua fosse minha

Uma das metas da política é o que os filósofos chamaram de vida boa: justa e feliz para todos da polis. Na sociedade contemporânea, no entanto, a política muitas vezes não visa o bem comum, ao ponto de Estado e governo fundirem-se numa idéia de mera manutenção do poder (Maquiavel estava certo). Eu invisto uma parte significativa dos meus rendimentos para o pagamento da prestação da casa própria. Procurei um lugar tranqüilo para morar, numa rua com pouco tráfego, onde eu pudesse ficar sossegada para estudar, dormir ou curtir a família. Eis que senão quando, já há mais de um ano instalada no novo endereço, sei que a rua até então calma vai se tornar parte de um binário - uma rua que faz "par" com outra, cujo fluxo vai em só uma direção. A minha rua vai receber todo o movimento do Batel para o Bigorrilho. Ou seja, acabou o sossego. Fico pensando que no momento dessas decisões os planejadores urbanos (se é que param para planejar alguma coisa) entendem as ruas como meras passagens de carros e simplesmente não consideram que pessoas moram nessas ruas e que sua qualidade de vida ficará seriamente comprometida com a transformação da rua da casa em via rápida. Há vários exemplos disso em Curitiba: gente que teve seu cotidiano afetado pela racionalidade técnica, instrumental, que concebe a cidade como produto de coisas e não de pessoas. Todo mundo já entendeu que para melhorar o trânsito a melhor opção é investir em transporte público. Decisão sempre adiada. O metrô curitibano, por exemplo, vai ser resultado das pressões dos organizadores da Copa do Mundo, e não da necessidade de desestimular o transporte individual. E nisso tudo vejo a minha rua e a minha vida atrapalhadas por gente que simplesmente não pensou em ninguém.